Coruja-preta (Strix huhula) em Gurupi/TO. Foto: Willian Menq
Corujas, mochos e caburés merecem, de fato, o título de “rainhas de noite”. Toda sua morfologia, etologia e anatomia são adaptadas para viver, com sucesso, à noite. Sua visão é mais sensível e acurada que a maioria dos animais, conseguem perceber um pequeno animal na escuridão quase total, evitar galhos e outros obstáculos no meio da mata e capturar com precisão uma presa veloz.
Com uma excelente visão e olhos relativamente grandes, as corujas aproveitam o máximo da luminosidade noturna para enxergar, por isso, muitos animais como roedores e marsupiais diminuem suas atividades em noites claras para diminuir o risco de ser capturado por uma coruja. E, ao contrário do que se pensa, elas não são capazes de enxergar na ausência total de luz. A audição das corujas é tão poderosa que conseguem perceber um pequeno ruído distante na mais completa escuridão. Somado a isso, para garantir uma melhor eficiência na caça, elas apresentam penas macias e serrilhadas permitindo um voo silencioso e surpreendendo suas presas.
No Brasil ocorrem 22 espécies de corujas, algumas tão pequenas como a caburé-miudinho (Glaucidium minutissimum), com cerca de 60 g, até aquelas de grande porte como a coruja jacurutu (Bubo virginianus) com mais de 2 kg. As corujas habitam todos os biomas do nosso país, desde as frondosas florestas da Mata Atlântica, Amazônia até as regiões mais secas, como o Cerrado e Caatinga. A maioria vive nas florestas, outras preferem áreas abertas, campos e restingas, como é o caso da coruja-buraqueira (Athene cunicularia), suindara (Tyto furcata), mocho-dos-banhados (Asio flammeus) e mocho-orelhudo (Asio clamator). Esta ultima espécie também é associada a bordas de matas.
A porção sul da Mata Atlântica (Paraná, Santa Catarina e norte do Rio Grande do sul) é a região com maior riqueza de corujas, onde podem ser encontradas até 17 espécies, seguida pela região sudeste, com 16 espécies. Por outro lado, na caatinga e nos pampas gaúchos podem ser encontradas de 7 a 9 espécies de corujas (ver lista por região).
Das espécies de ampla distribuição, a coruja-buraqueira (Athene cunicularia) é a mais popular, por ser diurna e adaptada ao ambiente urbano, é facilmente observada pousada em fios de postes, mourões de cercas, ou pousada no solo. Outra espécie urbana muito popular é a coruja-de-igreja (Tyto furcata), conhecida também como suindara. Vive principalmente nas cidades, usando forros de casas, sótão, celeiros e torres de igrejas para dormir ou usar como ninho. Menos conhecida, mas muito comum é a corujinha-do-mato (Megascops choliba), facilmente encontrada em parques urbanos, sítios e bosques. Às vezes, durante a noite, pode ser vista próxima de postes capturando insetos atraídos pela iluminação artificial. Já a caburé (Glaucidium brasilianum), também comum, com pouco mais de 16 cm de comprimento, é uma especialista em aves. Apesar do pequeno tamanho, não hesita em caçar passarinhos de seu tamanho, às vezes até maior. Interessante é que ela apresenta “olhos falsos” na nuca, penas mais escuras formando duas manchas que parecem dois olhos, e desse modo, confundem qualquer outra ave parecendo estar sempre de frente.
Endêmicas
No domínio da Mata Atlântica ocorrem cinco espécies endêmica: a caburé-miudinho (Glaucidium minutissimum), corujinha-sapo (Megascops atricapilla), coruja-listrada (Strix hylophila) e murucututu-de-barriga-amarela (Pulsatrix koeniswaldiana) e o caburé-do-pernambuco (Glaucidium mooreorum) que foi recentemente declarado extinto. A corujinha-do-sul (Megascops sanctaecatarinae), embora tenha boa parte de sua distribuição na porção sul do bioma, também ocorre em algumas áreas arborizadas dos pampas gaúchos. Já na Floresta Amazônica podem ser encontradas quatro espécies endêmicas, a caburé-da-amazônia (Glaucidium hardyi), corujinha-orelhuda (Megascops watsonii), corujinha-relógio (Megascops usta) e a corujinha-de-roraima (Megascops guatemalae). A caburé-da-amazônia (G. hardyi), além de endêmica é rara e de difícil observação, gosta de ficar na copa das árvores caçando aves e outros pequenos animais.
Murucututu-de-barriga-amarela (P. koeniswaldiana), endêmica da Mata Atlântica. Foto: Willian Menq
As mais raras
Algumas corujas são extremamente raras e de difícil observação, seja pelo seu comportamento tímido, distribuição restrita ou pela raridade natural da espécie. A caburé-acanelado (Aegolius harrisii) é uma dessas espécies raras, ocorre em grande parte do Brasil e habita os mais variados ambientes, florestas, mata rala, cerrado, alternando com clareiras e pastagens. Esta ave conta com poucos registros no Brasil e carece de estudos sobre sua biologia, sendo apelidada de "espécie-fantasma", ou seja, de difícil detecção. Acredita-se que ela seja mais discreta do que rara, talvez por apresentar deslocamentos altitudinais sazonais, ter períodos restritos de atividade, vocalizar pouco e baixo, além de problemas metodológicos na procura da espécie.
Outra espécie rara é a coruja-preta (Strix huhula), habita florestas altas, borda de matas, árvores em clareiras e ocasionalmente encontrada próxima a habitações humanas. Também conta com sua biologia pouco conhecida, como a maioria dos registros são bem pontuais, talvez ela seja naturalmente rara com baixas densidades populacionais.
No nordeste brasileiro ocorre uma subspécie de jacurutu pouco conhecida, é a jacurutu-da-caatinga (Bubo virginianus deserti). O primeiro registro de jacurutu na Caatinga data de março de 1903, coletada nos arredores de Juazeiro da Bahia e descrita como uma nova subespécie. Desde então, pouquíssimos foram os registros nesse bioma.
Caburé-acanelado (A. harrisii), coruja rara e pouco conhecida. Foto: Willian Menq
Provavelmente extinta
A caburé-do-pernambuco (Glaucidium mooreorum), endêmica da Mata Atlântica nordestina, foi recentemente declarada extinta (Pereira et al. 2014; ICMBio 2014). Desde sua descoberta, a espécie não foi mais registrada. Sua vocalização tem sido experimentada nos remanescentes da região na tentativa de atraí-la, mas apesar de haver comportamento agonístico de outras aves, não houve resposta da coruja.
Reprodução e comportamento
No Brasil, o período reprodutivo das corujas tem início no começo da primavera, enquanto em regiões mais quentes com grande oferta de presas esse período ocorre durante o ano todo. É nessa época que as corujas vocalizam bastante, machos e fêmeas cantam e chamam um aos outros a procura de um parceiro para se reproduzir. Os machos selecionam o território de acordo com o potencial para caça e locais apropriados para ninhos. Além de tentar conquistar a fêmea pelo seu território, os machos podem oferecer uma presa, como um roedor ou um inseto, como presente de núpcias.
As corujas não constroem ninhos, aproveitam cavidades ou ninhos feitos por outros animais para nidificar. A coruja-buraqueira (Athene cunicularia) nidifica em cavidades e buracos no solo feitos por outros animais, podendo ela ampliar os buracos usando ambos os pés. A coruja-dos-banhados (Asio flammeus) prefere utilizar depressões no chão entre a vegetação para nidificar, enquanto algumas podem usar cupinzeiros como ninho, como é o caso da caburé (G. brasilianum). A maioria das espécies florestais utilizam de cavidades em árvores para nidificar.
No período reprodutivo, as corujas defendem ativamente o ninho, emitindo vocalizações de alarme e dando voos rasantes sobre os invasores. Embora algumas espécies sejam predadoras de topo, corujas menores podem ser predadas por outras aves de rapina e também por mamíferos carnívoros. Além das defesas ativas citadas, algumas corujas usam estratégias passivas de defesa. A coruja-orelhuda (Asio clamator), por exemplo, costuma "inflar" o corpo eriçando as penas e também estala o bico na tentativa de intimidar o predador.
A maioria das corujas são ativas à noite. Algumas espécies como a caburé (Glaucidium brasilianum) estão ativas no início da manhã ou ao anoitecer, embora algumas (como a coruja-buraqueira) são ativas durante o dia. Durante o dia, as corujas noturnas cochilam em seus ninhos ou escondidas na folhagem das árvores, por vezes descobertas por bem-te-vis e beija-flores. Nesses casos, as aves em geral (principalmente os passeriformes) ao detectar uma coruja costumam fazer chamados de alerta, vocalizando bastante também a dar voos agressivos contra a coruja até espantá-la do local, esse comportamento é chamado de "mobbing behaviour" (comportamento de tumulto). Algumas espécies de corujas podem até se aproveitar desse comportamento de tumulto para caçar uma ave.
Ameaças e Conservação
Na maioria das listas de espécies ameaçadas de extinção, as corujas são classificadas como "espécie com dados desconhecidos" ou simplesmente estão ausentes, refletindo a falta de informações acerca da biologia e distribuição das mesmas, impossibilitando uma definição do seu real status de conservação. A maioria das causas de mortalidade não-naturais dessas aves são ocasionadas pela caça indiscriminada, eletrocussões, intoxicações, colisões, atropelamentos e acidentes em cercas com arame farpado. A maior causa do possível declínio nas populações de corujas é provavelmente a degradação de seu ambiente natural, principalmente das espécies florestais. São predadores e, portanto mais sensíveis a mudanças ambientais do que animais que ocupam outras posições na cadeia alimentar.
A maior e a menos coruja do Brasil. À esquerda, a jacurutu (Bubo virgnianus), que pode atingir até 60 cm de comprimento e até 2,5 kg. Foto: José Paulo Dias; À direita, a caburé-miudinho (Glaucidium minutissimum), que pesa 50 g e possui 14-15 cm de comprimento, Foto: Fabrício Costa.
Veja também:
Citação recomendada:
Menq, W. (2013) Corujas brasileiras - Aves de Rapina Brasil. Disponível em: < http://www.avesderapinabrasil.com/arquivo/artigos/Corujas_brasileiras.pdf > Acesso em:
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